terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Todas as noites, ao dormir, ela costumava se concentrar e imaginar milhões de situações que a faria feliz. Imaginava o dia em que se apaixonaria de verdade, o dia em que moraria sozinha, pensava no que seria quando crescesse... Enfim, ela fazia muitos planos para o futuro.
Nestas mesmas noites, ela agradecia à Deus por está em sua cama, confortável e quente. E pedia a Ele que iluminasse a todos. Sua fé era tanta que tinha bastante esperança em suas palavras próprias e no seu pensamento. Talvez, por este ser o único modo de confiar que algo melhor sempre podesse acontecer.
Esta pequena e grandiosa menina desenhava em sua mente detalhadamente tudo como desejava que as coisas fossem. No fundo, ela sabia que nada era como ela queria. Ainda assim, não se cansava de imaginar sempre.
Certa vez, ela chegou à conclusão de que precisaria de asas para voar como os pássaros. Animou-se bastante com a idéia. E com lápis e papel começou a traçar os primeiros traços de suas asas. Aos poucos, foi surgindo e se transformando numa bela asa.
Quando percebeu que criara suas próprias asas, ela pôs a sorrir como nunca antes feito. Decidiu que primeiro conheceria o céu, pois ela sempre o admirava de sua janela e adorava suas cores no pôr-do-sol.
Preparada para o seu primeiro vôo, ela chegou perto da janela. Estava um pouco insegura ainda. Iria se concretizar nas linhas de sua vida, sua experiência mais fascinante. Nervosa, colocou os pesinhos bem próximos da linha do horizonte. E num suspiro, que lhe deu força e coragem, atirou-se na eternidade.
Sim. Sim, ela estava voando. Tudo era maravilhoso, o céu, as nuvens, as cores, os pássaros... Voou bastantes por entre nuvens, que atravessavam seu corpo. Descobriu neste vôo que o céu é a imaterialidade da matéria. E que sua aparente forma, na verdade não existia. Era o melhor de todas as coisas; fundidas num só. Descobriu que os pensamentos ruins eram mais pesados do que qualquer corpo. E que com eles, ela não poderia voar, pois ia acabar caindo no chão, como acontece com todos aqueles que não têm espírito leve e pensamento livre e positivo.
Sua maior diferença com o resto da multidão era acreditar em anjos. Ela acreditava que os anjos estavam espalhados pelo mundo, disfarçados, sempre disfarçados.
Voando ainda, ela finalmente conseguiu os ver. Eles eram bonitos e leves; leves como o ar. Eles a olhavam com um olhar de ternura. Como quem encontra uma pessoa amada. Ela se sentia muito bem entre eles. E desejou muito para sempre está perto deles.
Ela voou tanto, que se passaram dias, meses, anos; sem que percebesse. Realmente, ela estava imersa na eternidade e viva como uma luz que jamais se apaga. Estava na eternidade porque foi de lá que veio. A eternidade é sua terra natal e os anjos eram apenas seus melhores amigos.
Desenhando com traços delicados e finos, passou a desenhar sobre as vidas de algumas vidas. Ela melhora um detalhe ou outro. E sempre traçando linhas das quais as pessoas tinham fé, e com a fé de cada um ela tornava realidade. Na verdade, esta menininha era somente uma meio para tal. Já que a fé de cada pessoa é o mais importante para tornar muitos pensamentos em realidade.
Aos poucos, percebeu que sua vida era fazer aquilo que havia fazendo há alguns dias, meses e anos. Traçando linhas e desenhando pensamentos com pontos de fuga para o infinito. Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.* No fundo, acreditava ser um deles, e realmente era.


*Clarice Lispector. A Hora da Estrela.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Vôo

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.

Tocou. Telefone tocou. Em poucos minutos estava sentada esperando alguém que anuncia o destino de várias pessoas. A conversa sempre começa com “infelizmente”. Sim, não queria saber qual o motivo do “infelizmente tá tá tá”; queria saber apenas conseqüência. Então, ele tatuou em mim a maior marca que carrego comigo.
Gritos! Houve gritos desesperados pedindo socorro. Ninguém ouvia. Apenas eu podia ouvir esta voz interna soando dentro de mim. Algo explodiu internamente e desapareceu definitivamente, sem surgir de novo e nunca mais até o presente momento.
Como uma droga que corre as veias de meu corpo, eu estava entorpecida. Não conseguia pensar. Estava numa liga eterna do que chamam de bad trip. E a minha sobriedade era tanta que tentava raciocinar de que não era possível que algo como este pudesse ter acontecido.
Minhas asas ainda não estavam prontas para voar. Eu estava de baixo das asas dele, voando e viajando com ele. Não podia perder minha base de apoio assim, do nado e sem que me dessem algo onde eu possa pisar e me sentir segura.
Depois disto, ainda entorpecida, vi o casulo que o envolvia. Ele não era o que acabara de vê, aquilo era somente uma forma, sem essência alguma. Uma ‘”coisa” quase comparada a mesma que chamam de matéria-prima. Bruta como a ignorância humana.
Quis desesperadamente morrer, pois dizem que quando se sonha com algo ruim, somente quando se morre no sonho é que acordamos. Queria morrer sim, para acordar logo. Percebi que esta seria uma escolha bem difícil, ou melhor, não teria oportunidade nem saco para tal. Tentei dormir, para ver se tudo se ajeitava quando acordasse. Não adiantou de nada. Somente nos sonhos é que tudo dava certo, onde tudo estava bem.
Passei então, a dormir sempre. E desejei muito dormi para sempre, pois só assim me sentia perto dele. E realmente estava; encontrávamos-nos todas as noites no mundo inteligível. Impressionante como nossos corpos estavam tão pertos e distantes ao mesmo tempo.
Com o tempo, aprendi a tê-lo sempre comigo. Sentia sua presença, sua asa, seu cheiro... Voltamos a voar juntos. Só que agora era diferente, eu não voava mais de baixo de sua asa. Aprendi a voar sozinha. É tão bom voar com ele, ao lado dele.

Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres,
as palavras voam.

Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as

palavras voam.
E às vezes pousam.¹

¹MEIRELES, Cecília. Melhores Poemas, Global Editora, 1984 - S. Paulo, Brasil.


Não podia começar meu primeiro post sem postar esse texto. Já que ele retrata uma experiência estética de minha vida, apesar de não ter sido nada boa. Mas ela reflete interiormente e externamente em mim. Não posso dizer que foi ou é nem muito menos que haverá somente o lado negativo disto. Há sim o lado positivo. E ele também reflete dentro de mim como uma luz de grande intensidade.

:)